Dom Odilo P. Scherer
O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 28 de maio passado, decidiu com apertada maioria que a Lei de Biossegurança, aprovada no Congresso Nacional em 2005, não é inconstitucional. Essa lei permite, com algumas restrições, o uso de embriões humanos em pesquisas científicas. Uma vez que a aplicação da lei implica a morte de embriões humanos, sua constitucionalidade havia sido questionada, sob a alegação de que a Constituição prescreve ao Estado a proteção da vida humana. Mas a destruição de embriões humanos continua legal.
A discussão e a votação no STF mostraram a complexidade do problema posto, que era jurídico, mas também envolvia considerações de fundo científico, antropológico e ético: o embrião já é um ser humano vivo? Já tem algum direito a ser preservado? Pode ser usado como material de pesquisa? As respostas não foram unânimes para essas questões, cujas implicações éticas não podem ser ignoradas. As dúvidas não foram levantadas, em primeiro lugar, a partir de convicções religiosas, embora também possam ter essa origem.
O próprio texto da lei, agora ratificada, trata com mão de luva esse tema espinhoso, sugerindo que a aplicação da lei requer muita cautela. Os embriões devem provir de fertilização "in vitro", ser inviáveis, estar congelados há mais de três anos e sua utilização precisa ser autorizada pelos "genitores". Mesmo com essas restrições, ainda é possível questionar se a inviabilidade de embriões é determinada pelas condições dos próprios embriões, ou se responde mais a interesses de terceiros e depende de decisões voluntaristas? A lei, por exemplo, dá um prazo de três anos de congelamento para os embriões, mas eles poderiam ter bem mais tempo de "viabilidade". Não faltam casos de embriões que se desenvolveram depois de períodos mais longos de congelamento e deles nasceram crianças sadias.
A exigência do consentimento dos genitores pretende ser um critério limitativo e denota respeito pelos embriões; mas é contraditório que a lei reconheça que eles têm "genitores", ou seja, pai e mãe, e se argumente que eles ainda não são seres humanos. De fato, a lei reconhece uma relação de paternidade e filiação entre genitores e embriões; e ninguém é genitor de um objeto, ou de um grupo de células desorganizadas. Estranha, também, que essa mesma lei transfira aos genitores a grave decisão sobre o direito dos embriões à vida, que deveria ser tutelado pelo próprio Estado.
O ponto nodal do problema está na afirmação de que o embrião já é um ser humano vivo; fora desta referência, a discussão fica desfocada. Para a ciência, parece difícil negar que o embrião já seja um organismo com vida própria e identidade diversa daquela da mãe. E nisso não há diferença entre embrião presente no útero da mulher ou produzido e conservado em laboratório. Esta convicção de muitos cientistas, antropólogos e juristas também é compartilhada pela Igreja Católica; por isso ela defende a inviolabilidade da vida do ser humano desde a fecundação.
A discussão sobre o uso de embriões humanos em pesquisa evidenciou a importância da qualidade ética dos métodos em qualquer atividade humana. Não basta que os objetivos sejam bons, é preciso que também os meios para alcançá-los o sejam. Os fins não justificam os meios. Vantagem e utilidade, eleitas como critérios supremos para a ação, tornam-se uma ameaça para os direitos alheios.
O problema todo está na destruição dos embriões; não fosse assim, o impasse ético deixaria de existir. Portanto, a posição moral da Igreja Católica permanece inalterada: matar embriões humanos é ilícito, do ponto de vista ético e moral, mesmo que isso seja considerado legal. Vale lembrar que não é a lei que cria o valor ético, mas este lhe é anterior e deve ser tutelado por ela.
A Igreja Católica não se coloca contra a ciência; antes incentiva pesquisas com métodos eticamente aceitáveis. Não é demais lembrar que a Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano, cujo parecer o papa também ouve quando se manifesta sobre questões de fundo científico, conta entre seus membros bem 28 Prêmios Nobel. Durante as discussões a respeito dos embriões humanos, foi feita alusão ao caso Galileu Galilei, levado ao tribunal da Inquisição por causa de suas afirmações sobre o heliocentrismo: não é o Sol que gira, é a Terra que gira em torno do Sol... Não estaria a Igreja errando novamente?
Os tempos mudaram e a Igreja Católica não tem hoje o poder de legislar para a sociedade em geral, nem para a ciência. E não pretende ter esse poder, reconhecendo que ele compete ao Estado. No entanto, estando na sociedade, a Igreja contribui com suas convicções para a convivência social e para a formação da cultura; e o faz nos espaços da vida democrática. No caso de Galileu, houve uma intervenção, considerada indevida, numa evidência científica: e contra a evidência não há argumentos. Diversamente, na discussão sobre o uso de embriões em pesquisa, a questão é a escolha do método para uma atividade humana. E aí estamos diante de um problema ético, e não de evidência científica.
Penso não errar se afirmo que os progressos da ciência levam muito mais a confirmar do que a negar que os embriões já são seres humanos vivos. Nesta questão a Igreja leva a sério os dados da ciência. Galileu, certamente, não se sentiria desconfortável com a posição da Igreja Católica sobre o respeito devido ao ser humano desde o início de sua vida. Conta-se que, ao sair do tribunal da Inquisição e olhando para o céu, ele teria exclamado: "E pur si muove!" - "Mesmo assim, a Terra se move!" Diante da afirmação que os embriões ainda não são seres humanos vivos, talvez nosso sábio hoje exclamasse: "E pur vivono!" - "Mesmo assim, eles vivem!"
Faço votos que, um dia, isso seja reconhecido pela lei.
Dom Odilo P. Scherer é cardeal-arcebispo de São Paulo