Liberação de pesquisas com células embrionárias ficará obsoleta, diz jurista
As pesquisas com células-tronco embrionárias, liberadas no final de maio pelo Supremo Tribunal Federal, serão consideradas fracassadas no futuro. A certeza é do jurista Ives Gandra Martins, que representou a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) no julgamento da Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança.
“As doenças serão curadas sem ferir a ética, por meio das pesquisas com células-tronco adultas, que hoje já têm um avanço muito maior. Estou convencido de que a decisão do Supremo vai, com o tempo, se tornar fantasticamente obsoleta”, afirma.
Ele fala que outros países abandonaram as pesquisas com células embrionárias pela impossibilidade de sucesso. “De acordo com cientistas que tenho consultado, as células adultas induzidas com os mesmo efeitos pluripotentes das embrionárias não vão trazer problemas de rejeição ou tumores”, afirma.
O julgamento da ação teve início no dia 5 de março, e Ives Gandra, em sua sustentação oral, defendeu que a vida tem início no momento em que o embrião é fecundado. Na ocasião, ele afirmou que o Código Civil prevê os direitos do nascituro desde a concepção —ou seja, o embrião possui personalidade jurídica. Além disso, segundo o jurista, a Constituição também prevê a inviolabilidade do direito à vida.
A questão foi decidida em 29 de maio, com seis votos favoráveis e cinco autorizando as pesquisas, mas com restrições. Ives Gandra brinca ao dizer que “uma maioria inexpressiva derrotou uma minoria expressiva”. “Todos diziam que eu ia perder de 11 a zero. Para mim, o resultado foi surpreendente”, comemora.
Ele afirma que, na melhor das hipóteses, acreditava que seriam dois ou três votos contrários. “Valeu a pena o esforço. Daqui a dez anos esse julgamento vai ser lembrado como um marco e quando os resultados forem obtidos através das outras células e mostrarem que essa decisão se tornou obsoleta, a minha consciência estará tranqüila, porque defendi a vida”, destaca.
Direito e ciência
Mesmo sendo advogado da CNBB, Ives Gandra afirma que em nenhum momento falou sobre religião. “Meu argumento envolvia aspectos científicos e jurídicos. Todos os que defenderam as pesquisas com células-tronco embrionárias só falavam em religião. Eles é que utilizavam um argumento religioso: a fé incomensurável num tipo de pesquisa fracassado.”
Alguns ministros, segundo ele, disseram que, como o Estado é laico, não poderiam ser aceitos argumentos religiosos. “Acredito que o Estado laico é aquele onde quem crê ou não em Deus tem os mesmos direitos.”
Para o jurista, as interpretações dos magistrados foram talentosas e competentes, mas algumas também se mostraram “convenientes e coniventes”.
“Essa interpretação de que a vida humana não começa fora do útero é conivente. Se existe vida no zigoto, só pode ser vida humana. Não é a implantação no útero que vai dar condições ao conteúdo de ser ou não ser humano”, afirma. Ele ressalta que uma pessoa é definida já a partir do zigoto, que carrega todo o código genético.
Futuro
Está prevista para agosto no Supremo uma audiência pública sobre a permissão legal de aborto de fetos anencéfalos, assunto que chegou ao tribunal em 2004 em ação movida pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde). Ives Gandra já adianta sua posição. Para ele, no momento em que se admite o aborto de fetos pode-se, no futuro, chegar a uma maior relativização do direito à vida.
O jurista afirma que o Supremo começa a apresentar uma reação boa, mas ainda tímida, em relação aos principais debates da sociedade. Ele cita como exemplo a decisão sobre fidelidade partidária, em que a Corte entendeu que o mandato pertence aos partidos, e não aos parlamentares.
“O STF está agindo onde o Congresso deixa lacunas, na omissão do poder legislativo. Além disso, complementa a interpretação da Constituição para torná-la viável”, conclui.