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Lúcia Jardim, Portal Terra
PARIS - Um decreto publicado na sexta-feira no Jornal Oficial francês, passa a autorizar o registro civil de fetos nascidos sem vida, numa decisão que provocou imediatamente repercussão sobre a questão do aborto no país. Há muitos anos as associações de respeito à vida pleiteavam por essa autorização, que dá direito aos pais de reconhecer em cartório o filho que morreu naturalmente no ventre da mãe ou em decorrência do parto.
A nova lei permite a inclusão dos fetos com mais de 16 semanas de gestação no chamado "livret de famille", uma caderneta onde estão registrados os ascendentes diretos e os descendentes de um casal. Os pais podem agora expedir a certidão de nascimento do bebê, com nome, data e local do parto, e ganham também o direito a enterrar o seu corpo em uma cerimônia funerária convencional - até então, os fetos mortos eram incinerados junto com os dejetos nos hospitais.
As ministras da Justiça, Rachida Dati, e da Saúde, Roselyne Bachelot, publicaram um comunicado conjunto no qual afirmam que a lei é "uma resposta pragmática e humana a essas situações de luto".
"Isso vai permitir às mulheres que deram à luz a um bebê morto de dispor de um tratamento funeral decente", afirma o comunicado.
As associações de luta contra o aborto - permitido legalmente na França desde 1975 - festejam a decisão, que seria um argumento a mais na hora de convencer as mães a não abortarem nos casos de gravidez indesejada.
- É um passo muito importante e muito positivo, mas ao mesmo tempo vejo este decreto com reservas, porque já tivemos muitas falsas-esperanças de leis que acabaram sendo abolidas pouco tempo depois - lamenta Pierre Vouters, da associação Laissez-les vivre (Deixe-os viver), de Paris.
Já no Centro Internacional pela Vida, com sede em Lourdes, famosa por lutar pelo direito de todas as mães de terem seus filhos mesmo em condições adversas, através de ajuda financeira do Estado, o decreto não deve ter muita influência sobre as grávidas já decididas a abortar.
- Essa decisão concerne mães que perderam seus filhos involuntariamente e desejam registrá-los, porque já estavam tão apegadas a eles que fazem questão de verem sua existência reconhecida pelo Estado, embora não tenham sobrevivido - explicou Maximilien Bayer, membro da ONG. - Mas infelizmente, acho que o fato de poder ou não registrar o filho não vai fazer nenhuma mãe voltar atrás no desejo de abortar.
Por outro lado, Bayer lembra que a autorização de registro terá conseqüência não apenas no alívio da dor de pais que perderam os filhos, mas também nos processos de criminalização de mães que perderam seus bebês em decorrência da ação de outra pessoa, como em casos de acidentes de carro.
- Se o bebê morre no ventre da mãe por responsabilidade de outra pessoa, essa pessoa poderá ser criminalizada. Antes, nada acontecia porque a criança ainda não existia aos olhos da lei - esclarece.