E algo de muito comum também une aqueles filhos, aquele paciente e aquela ex-namorada: uma baixíssima auto-estima, um sentimento de vazio, de deprezo. Sentem-se invisíveis, destratados. Se pudessem, sumiriam para outro mundo.
Os primeiros lá de cima diriam que não prejudicam ninguém, embora os seus os desmentissem no ato. Os filhos acusariam a falta de carinho do pai, o paciente, a despreocupação integral do médico, e a ex-namorada, a desonestidade do “boa-pinta”.
Casos assim são tão comuns que as vemos diariamente. É uma estranha maneira de pensar que endossa qualquer opinião ou comportamento como válida, pelo simples fato de que a nossa liberdade não pode ser nunca limitada, parece que nos diminuiu a realidade e a capacidade de observar as coisas como são. De observar até as pessoas como são.
O grande problema é que uma vez perdida a capacidade de reconhecimento do ser humano a partir das suas necessidades e dimensões totais, quais sejam, física, psiquica/afetiva, social/moral, espiritual, ficamos somente a um passo da coisificação. Nossos personagens acima são o exemplo dessa mentalidade já emancipada em nossa sociedade. E tentam demonstrar a imprudência que é tratar assuntos de ordem inter-pessoal sob óticas exclusivistas e reducionistas, descartando a realidade plena do que é o ser humano, seus anseios e aspirações.
Um exemplo prático e bem mais grave: a recente tentativa de se legalizar o aborto sob a prerrogativa da saúde pública e o fundamento sanitarista, defendido pelo sr. Ministro da Saúde. Este afirma que mulheres morrem na prática do aborto. Impossível discordar. Mas do que está tratando totalmente afinal? Da morte de mães apenas? Do direito ao próprio corpo apenas? Não. Está tratando da eliminação da vida não-nascida também, que aliás, acontece em 100% da vezes.
E se falamos de eliminação da vida não-nascida da espécie humana, envolvemos tudo aquilo que compõem o ser humano. Ao excluirem voluntariamente o que a ciência médica tem a dizer, o direito, a psicologia, a sociologia, a filosofia, a moral, a religião, e todos os demais campos que tangem a realidade humana, reduz-se o ser humano por nascer, este a quem chamamos tú, a dignidade de um vírus ou de uma bactéria. De um inimigo a ser combatido.
A coisa toda é tão absurda e irrefletida, que se o bebê não nascido pode ser eliminado com a subsidiariedade do Estado por colocar em risco a vida de suas mães desertoras, por ser mera questão de saúde pública, então por que o Estado também não garante a eliminação dos motoristas que cometem acidentes? Dos pais que deixam fios desencapados em casa? Dos infecto-contagiosos? Todos esses ameaçam a saúde pública, colocam risco a saúde alheia.
Veja como a razão por trás deste movimento pró-aborto, mesmo sem entrar no mérito da questão, só se faz demonstrar insustentável. Esquivar-se da reflexão total daquilo que se pleiteia, impor o silêncio, reduzir a realidade à aspectos convenientes não é próprio da razão, mas sim da fraude, da insegurança que inflama o discurso e aumenta o tom, que instrumentaliza a verdade e seduz com ares de preocupação social.
Um verdadeiro debate, como o do aborto, que coloca em xeque a vida nascente, ou tem como ponto de partida o ser humano, com tudo que é e possui, ou se destrói em suas próprias bases. Acaba no totalitarismo, no slogan, na ideologia. E acaba em mais um triste personagem lá do início, que reduz a realidade à sua ótica superficial, que relativiza a verdade da vida humana conforme lhe compraz e faz da meia-verdade seu baluarte sem manchas.
Opinião, Cultura da Vida