http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0806200508.htm
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS E LILIAN PIÑERO EÇA
O procurador-geral da República ingressou com ação direta de
inconstitucionalidade contra a lei que aprovou a manipulação de
embriões humanos vivos para investigação científica. Os dois
signatários deste artigo estão convencidos de que a ação,
juridicamente, é irrepreensível e, cientificamente, se acolhida,
uma enorme contribuição à comunidade científica.
Cresce o número de trabalhos nos quais se verifica a recuperação de
órgãos lesados utilizando células-tronco adultas
Do ponto de vista jurídico, dúvida não existe. Declara a
Constituição que o direito à vida é inviolável. O tratado
internacional sobre direitos fundamentais de São José determina que
a vida começa na concepção e que a pena de morte é condenável tanto
para o nascituro como para o nascido. E o Código Civil impõe que
todos os direitos do nascituro sejam garantidos desde a concepção.
Seria, pois, ridículo se todos os direitos estivessem garantidos,
menos o direito à vida. A vida começa, portanto, na concepção,
não se justificando que seres humanos sejam, como nos campos de
concentração de Hitler, também no Brasil objeto de manipulação
embrionária. A lei é manifestamente inconstitucional do ponto de
vista jurídico.
Do ponto de vista científico, a lei não merece melhor sorte.
1) No caso da utilização das células de embriões congelados há
mais de três anos, trata-se de um transplante heterólogo, com
grande possibilidade de rejeição, visto que, à medida que essas
células se diferenciam para substituir as lesadas num tecido
degenerado, elas começam a expressar as proteínas responsáveis pela
rejeição (Jonathan Knight).
2) Allegrucci e colegas dizem que células-tronco de embriões
congelados estão longe de ser a "perfeita fonte de células para
terapias", pois originam teratomas (tumores de caráter
embrionário).
3) Além disso, ocorrem metilações no DNA dos embriões
congelados, que não são passíveis de identificação, aumentando o
risco de silenciarem genes. Portanto, não servem para a pesquisa.
4) Há total descontrole das células embrionárias, surgindo
diferenciações em tecidos distintos nas placas de cultura, com o que
se poderia estar renovando experiências atribuídas a Frankstein.
5) Cada blastocisto fornece entre 100 e 154 células-tronco
embrionárias. É preciso saber quantos embriões humanos frescos
seriam sacrificados. Por exemplo, na terapia com autotransplante de
células-tronco adultas provenientes da medula óssea, é necessário
um total de 40 milhões de células-tronco, vale dizer, haveria a
necessidade de 300 mil a 400 mil embriões, pois não se pode
expandir o número dessas células em placas, por motivo de
contaminação.
6) Andrews e Thomson, em 2003, referem que as células-tronco
humanas em cultura apresentam anormalidades cromossômicas à medida que
se diferenciam, com risco de se malignizarem.
7) Quanto à clonagem terapêutica, não se conseguiu até agora
clonar um primata. Ao tentar, obtém-se meia dúzia de células
aneuplóides (células cujos núcleos contêm um número diferente de
cromossomos).
8) Feeder layers são camadas de tecidos retiradas de fetos vivos em
qualquer estágio, vendidas em dólares nos Estados Unidos, as quais
estão sendo utilizadas para garantir a qualidade do cultivo das
células-tronco embrionárias.
9) Joel R. Chamberlain e colegas mostraram em estudo que há
doenças genéticas que podem ser tratadas, mas com células tronco
adultas, modificadas geneticamente, como na Osteogenesis
Imperfecta, a qual origina desordens ósseas no esqueleto. Os
resultados demonstrados foram um sucesso.
10) "Célula adulta age como embrionária", de acordo com o
cientista Rudolf Jaenisch. O segredo está guardado em uma "chave"
molecular: o gene Oct-4. A molécula trabalha no estágio inicial
do embrião, "segurando" as células para não se diferenciarem antes
da hora. No tempo adequado, o gene se desliga e as células formam,
então, os tecidos certos. Com o controle do gene, é possível
fazer com que certas células-tronco adultas sejam mantidas nesse
estágio sem diferenciação, o que pode expandir seu campo de
atuação na pesquisa de novos tratamentos (www.cell.com).
Vemos alternativas para estudar a cura das doenças. Cresce o número
de trabalhos nos quais se verifica, com sucesso, a recuperação de
tecidos ou órgãos lesados, utilizando células-tronco adultas. Um
exemplo é o trabalho de Nadia Rosenthal, publicado no "Proceedings
of the National Academy of Sciences", sobre o sucesso em usá-las
para recuperar tecidos musculares. Devemos lembrar, também, do
sucesso do pioneirismo brasileiro nas aplicações de células-tronco
adultas em seres humanos, no tratamento das cardiopatias, doenças
auto-imunes, lesão de medula espinhal, lesão de nervos
periféricos, entre outras.
Como se percebe, em vez de o governo aplicar recursos na manipulação
e eliminação de seres humanos, transformados em cobaias, como no
nacional-socialismo alemão, poderia investir maciçamente na
investigação das células-tronco do próprio paciente ou na dos
cordões umbilicais.
Cremos que, se o STF declarar a inconstitucionalidade da
manipulação dos embriões humanos, voltará o governo seus olhos para
aquelas experiências com células-tronco adultas, cujos resultados,
no mundo inteiro, são cada vez mais auspiciosos.
Ives Gandra da Silva Martins, 70, advogado tributarista,
professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente da
Academia Paulista de Letras.
Lilian Piñero Eça, 50, biomédica, doutora em biologia
molecular pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é
autora do livro "Biologia Molecular - Guia Prático e
Didático".