Quando ví este filme pela primeira vez me lembrei automáticamente daquela frase célebre de Mario Quintana: "O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo... Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito". Confesso que lágrimas verteram de meus olhos ao pensar nos mais de 50 milhões de abortos que são praticados todos os anos no mundo, ao pensar nos mais de 50 milhões de roubos infinitos que acontecem a céu aberto, sem ninguém para impedir.
Este filme toca fundo porque chega no cerne de toda a questão, a luta entre justiça e injustiça, entre direito e privação, entre posse e roubo. E toca, porque mais do que qualquer outro injustiçado, ou desprovido, ou lesado, este pequeno bebê, este a quem chamamos "tú", não tem voz para pedir uma segunda chance. Até teria, mas adiantarão essa fase para não serem atormentados pela lembrança de um choro inocente.
Já que as baleias e as tartarugas tem quem os defendam, mas esses pobres pequeninos não, sejamos nós, a partir de agora, essa voz de justiça que ao menos gritará "Pega Ladrão!", "Pega Ladrão!", quando tentarem roubar-lhe infinitamente.
Era tão pequeno
que ninguém o via.
Dormia sereno
enquanto crescia.
Sem falar, pedia
- porque era semente -
ver a luz do dia
como toda a gente.
Não tinha usurpado
a sua morada.
Não tinha pecado.
Não fizera nada.
Foi sacrificado
enquanto dormia,
esterilizado
com toda a mestria.
Antes que a tivesse,
taparam-lhe a boca
- tratado, parece,
qual bicho na toca.
Não soltou vagido.
Não teve amanhã.
Não ouviu "Querido"...
Não disse "Mamã"...
Não sentiu um beijo.
Nunca andou ao colo.
Nunca teve o ensejo
de pisar o solo,
pezito descalço,
andar hesitante,
sorrindo no encalço
do abraço distante.
Nunca foi à escola,
de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas
com olhos de assombro.
Crianças iguais
à que ele seria,
não brincou com elas
nem soube que havia.
Não roubou maçãs,
não ouviu os grilos,
não apanhou rãs
nos charcos tranquilos.
Nunca teve um cão,
vadio que fosse,
a lamber-lhe a mão
à espera do doce.
Não soube que há rios
e ventos e espaços.
E invernos e estios.
E mares e sargaços.
E flores e poentes.
E peixes e feras -
as hoje viventes
e as de antigas eras.
Não soube do mundo.
Não viu a magia.
Num breve segundo,
foi neutralizado
com toda a mestria.
Com as alvas batas,
máscaras de entrudo,
técnicas exactas,
mãos de especialistas
negaram-lhe tudo
( o destino inteiro...)
- porque os abortistas
nasceram primeiro.
(Renato de Azevedo)