— Meu nome é Alcineide. Acho um absurdo o aborto em caso de estupro. Eu mesma fui estuprada quando tinha 15 anos de idade e tenho hoje um filho de 12 anos.
Era a primeira vez que eu ouvia uma mulher, por iniciativa própria, dar um testemunho público como o dela. No mesmo dia fui à sua casa para entrevistá-la.
Alcineide de Melo Medeiros nasceu em Pirenópolis, em 08/01/1971. Foi estuprada em 1986, aos quinze anos de idade. Do estupro resultou uma gravidez dolorosa. Nunca, porém, Alcineide pensou em abortar. A criança (David de Melo) nasceu exatamente quando a mãe completava dezesseis anos (08/01/1987).
— O que a senhora sentiu quando olhou para o seu filho pela primeira vez?
— Foi a maior emoção da minha vida. Foi o melhor presente de aniversário que eu poderia ter.
— Hoje ele está com que idade?
— Doze anos (1).
— Quando a senhora olha para o David, pensa no estupro?
— Nunca. Jamais. Eu amo meu filho mais do que tudo na minha vida.
— Há pessoas que dizem que, se a mulher não abortar, vai sentir nojo da criança cada vez que olhar para ela. Como a senhora estaria se sentindo se tivesse abortado?
— Hoje, sim, eu teria nojo de mim.
— A mulher que foi estuprada não tem o direito de abortar?
— Não, porque ninguém tem o direito de matar outra pessoa.
Usei então o argumento habitual das feministas.
— Mesmo se essa outra pessoa foi gerada numa violência, a mulher é obrigada a aceitá-la?
— Claro que sim! Não é o filho dela? Vai passar nove meses dentro da sua barriga e depois não é seu filho?
— A senhora acha que o aborto ajudaria a mulher que foi estuprada?
— Ajudaria a destruir sua vida. A coisa mais importante que tem na vida são os filhos da gente. Não importa como foram gerados.
— A senhora é contra ou a favor da legalização do aborto em caso de estupro?
— Contra.
— Totalmente contra?
— Totalmente. Um erro nunca justifica o outro.
— E se a mulher sentir repugnância da criança, o que deve fazer?
— Desde quando a criança se mexe pela primeira vez dentro do ventre da gente, é uma coisa mágica, sabe? Você não pensa em mais nada. Fica imaginando a carinha dele quando nascer... o jeitinho dele... Quando você pegar aquela criança e sentir que é sua, jamais você vai ter coragem de fazer uma coisa dessas: matar um bebezinho.
— A senhora acha que toda mulher violentada que fizesse aborto teria nojo de si mesma?
— Tem muita mulher que é um monstro. Não conhece nada da vida e acha que pode destruí-la. Outras são diferentes. São mulheres mesmo. As que têm coragem de fazer isso nem são dignas de ser chamada mulheres.
Contei então a ela o caso de Joana Leal Lima, mãe de dois filhos, que foi estuprada em 1992, com 38 anos de idade, engravidou, e fez aborto no Hospital de Jabaquara, São Paulo(2). Ela chamava a criança concebida de "coisa", "sujeira", recusando-se a dizer que tivera um filho. Enquanto eu narrava tal notícia, Alcineide sacudia a cabeça.
— O que a senhora tem a dizer de Joana?
— Ela, que já foi mãe, e já tinha sentido toda uma gravidez dentro dela, ter coragem de fazer isso é um absurdo! Se mesmo para quem nunca houvesse engravidado, o aborto seria um crime, quanto mais para quem já passou por uma gravidez!
— O que é maior? A dor de ter um filho por estupro ou a dor de ter um filho abortado?
— Com certeza é a dor de ter matado o próprio filho.
— A senhora se considera consolada ou punida pelo nascimento de David?
— Eu me considero a pessoa mais feliz do mundo! Meu filho é muito especial para mim.
Além de David, Alcineide tem mais três filhos nascidos de seu casamento com Raimundo, a quem David chama de pai.
Ao final, Alcineide disse uma frase surpreendente:
"Se eu fosse estuprada de novo, voltaria a ter o filho... Quantas vezes fosse!"
Anápolis, 25 de dezembro de 1999.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
(1) no dia da entrevista, ou seja, 10 de junho de 1999.
(2) A notícia foi publicada na revista Veja, dia 13/12/95, p. 7 a 10, com o título "Fui uma morta-viva". Era uma propaganda do aborto, contra uma emenda pró-vida que tramitava na Câmara.