Lenise Garcia
Lenise Garcia possui graduação em Farmácia e Bioquímica pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (1983) e doutorado em Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal de São Paulo (1989). Atualmente é professora adjunta da Universidade de Brasília, no departamento de Biologia Celular.
Anencefalia é a malformação congênita causada pelo fechamento incompleto do tubo neural, ao final do primeiro mês de gestação, que evolui para a ausência de parte variável do encéfalo. Por isso, embora popular, o termo “anencéfalo” é um pouco equivocado, ao dar idéia de ausência total de encéfalo.
Malformação é um processo que escapou à regulação normal no desenvolvimento do organismo. Apresenta variabilidade individual: cada anencéfalo tem a sua anencefalia. É sempre uma anomalia grave, mas há graus. Um médico só pode saber quanto tempo viverá um feto com essa deficiência se ele marca dia e hora para matá-lo. Esta é a crua realidade.
Jorge Andalaft Neto, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), afirmou em reportagem da revista Época (21/02/07): “A medicina ainda tem de aprender muito sobre anencefalia. Quando vemos o bebê no útero, não sabemos quanto ele vai viver. Ele nasce, e vemos quanto tempo dura.”
Ele falava sobre a menina Marcela, que sobreviveu por um ano e oito meses. Sendo este caso tão emblemático, no decorrer das audiências públicas relativas à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 houve a tentativa de se afirmar ter ela outra deficiência. Mas todos os médicos de Marcela, por diferentes exames, coincidem no diagnóstico, como consta nos laudos e no seu atestado de óbito. Há, ainda, pareceres de alguns especialistas internacionais, que foram unânimes em considerar Marcela um “caso típico de anencefalia”.
E, se houvesse um erro de diagnóstico, a situação se mostraria ainda mais grave. Seria evidência de insegurança na constatação de anencefalia, mesmo na criança com mais de um ano. Como seria possível um diagnóstico seguro intra-útero? Este é feito, em geral, no terceiro mês de gravidez, quando o embrião tem entre 3 e 8 cm de comprimento. A criança está em formação, o cérebro está em formação e a malformação está em processo. É impossível saber qual será a gravidade da lesão.
No vídeo As flores de Marcela, a mãe da menina questiona as colocações de médicos que nunca viram a sua filha, e que a diziam “vegetativa”. Ela dá um exemplo curioso: “Marcela não gosta de laranja. Se eu coloco laranja em sua papinha, ela cospe. Também não gosta de beterraba”. A menina ouvia e percebia a presença da mãe, agitando-se em sua ausência. Não sabemos se ela foi capaz de amar. Mas certamente foi muito amada.
Aqui podemos voltar o nosso olhar para a difícil situação da mãe que, durante a gravidez, fica sabendo que seu filho possui uma grave deficiência. O raciocínio de que o aborto representaria uma “solução” não se sustenta, nem na teoria, nem na prática.
Os depoimentos das mães que levaram até o fim a gestação, tendo seus filhos sobrevivido por minutos, dias ou meses, mostram sempre uma relação positiva com essa criança, recordada com amor, como acontece com todos os nossos entes queridos que já se foram. Têm a consciência tranquila de ter dado, ao filho deficiente, todo o carinho que podiam, inclusive quando dentro de seu útero.
Pelo contrário, o aborto costuma deixar sequelas, tanto físicas quanto psicológicas. Há risco de complicações em futuras gestações, como sete vezes mais probabilidade de placenta prévia e 65% mais incidência de partos prematuros. É maior o número de mortes entre as mulheres que provocaram aborto do que entre aquelas que levaram a gestação até o término natural, por doenças circulatórias, cérebros-vasculares, complicações hepáticas, câncer de mama etc.
Nos Estados Unidos, as estatísticas apontam para as mulheres que se submeteram ao aborto provocado:
- 250% mais de necessidade de hospitalização psiquiátrica;
- 138% a mais de quadros depressivos;
- 60% a mais de quadros de estress pós trauma;
- 7 vezes mais tendências suicidas;
- 30 a 50% mais quadros de disfunção sexual;
- 25% exigem acompanhamento psiquiátrico em longo prazo.
Recentemente, o British Journal of Psichiatry publicou pesquisas realizadas na Nova Zelândia que mostraram 30% mais problemas mentais em mulheres que fizeram aborto. Por isso, o autor, David Fergusson, anteriormente favorável ao aborto por livre escolha, reviu a sua posição.
Essas mães necessitam apoio para a aceitação do filho, e não ajuda para sua eliminação. O direito à vida é o mais fundamental dos direitos humanos e cláusula pétrea de nossa Constituição. Não importa se essa vida é curta ou frágil, a pessoa tem dignidade em qualquer circunstância. Queremos uma sociedade que acolhe e protege os mais frágeis, ou uma que os elimina?