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"Hoje (16/9/08) pela manhã estive no STF e acompanhei a última das Audiências Públicas marcadas em função da ADPF 54, sobre a liberação de aborto de fetos anencefálicos. Fui assistir aos expositores imparcialmente, sem qualquer pré-julgamento ou opinião formada sobre o assunto. Ouvi médicos especialistas e mães que viveram o problema para, ao final, sair convicta de que o Estado não deve legalizar qualquer forma de aborto.
Algumas coisas me chocaram profundamente, me fazendo pensar que os conceitos de vida e de direitos se relativizaram com o tempo. A liberação do que agora chamam de 'antecipação do parto', parece incentivar decisões que, culturalmente, darão proteção legal à exclusão da sociedade e do direito à vida de todo aquele que for deficiente ou não adequado aos padrões de normalidade.
A professora Eleonora Menecucci de Oliveira, ao sustentar seu ponto de vista, alegou que é tamanho o fardo e o sofrimento de uma mãe que, esperando um filho sadio, e depois de criar expectativas quanto àquela criança, descobre que esta nascerá anencefálica. Não se nega o sofrimento, que por certo existirá. Contudo uma mãe não é responsável somente pelos filhos que lhe amam ou que lhe são capazes de entender. Ela é responsável pela criança que gera e ponto. Toda mãe gera expectativas quanto à criança que espera, mas não há nada que impeça que as mais numerosas diversidades recaiam sobre um filho gerado. Por mais que uma mãe deseje ver seu filho com saúde, este poderá vir privado de visão, com Síndrome de Down, autista... nem por isso a gestante tem o direito de interromper sua gravidez, ainda que o filho esperado não corresponda às expectativas...
A anencefalia não deixa de ser uma deficiência com a qual a mãe deverá aprender a lidar, seja qual for a conseqüência.
Lá ouvi dois depoimentos impressionantes. O primeiro foi de uma mãe que, convencida pelos médicos a fazer a dita 'antecipação do parto', no momento fatídico, viu a criança chorar e se mexer. Em seu depoimento, ela diz que até hoje pensa no que permitiu que fizessem com a criança e convive com o fardo, este sim insuperável, de não ter feito tudo o que poderia fazer. Foi difícil ouvir desta mãe: 'Quantos eu te amo eu poderia ter dito a ela, ainda que tivesse uma única hora de vida?'. Lá também estava Mônica Torres, mãe de Giovana, que viveu por pouco mais de 6 horas. Ela disse em entrevista, bem ao meu lado, tranqüila, que sua filha foi esperada e amada por ela e o marido, e que viveu a maternidade até o último momento. Giovana respirava sozinha, chorava e até reclamou da touquinha que a incomodou. Nasceu com os pés iguais aos do pai e emocionou todos que a viram viver, ainda que por tão pouco tempo.
Sim, a mulher tem direito a decidir sobre seu corpo, mas não sobre quem está dentro dele. Se por um lado a mulher tem o direito de viver plenamente a maternidade e de ter controle sobre sua reprodução (como se foi dito repetidamente), por outro, a mulher tem o dever de arcar com as conseqüências de uma gravidez que, se não planejou, deixou acontecer. É mais simples ceifar o problema se este não corresponde às expectativas. Difícil é fazer o certo."
Natáli Nunes - advogada.