sexta-feira, 1 de maio de 2009

Cada tempo tem sua barbárie

Francisco José Ramiro

BioeticaBlog

Posted: 02 Apr 2009

Dias passados uns amigos me convidaram para comer com eles na praia de Salinetas. A conversa transcorria por vários assuntos, e desembocou na tensão social que vem acontecendo nestes días pela tentativa de se ampliar a lei do aborto. Uns eram partidarios de deixar a lei como está, outros de amplia-la e esse debate transcorreu até o final da comida.

O que mais me chamou a atenção é que um de meus amigos, que se manifestava contra ao aborto, entretanto, terminou sua exposição dizendo que “de qualquer forma alguma lei terá que regular o aborto”.

Com suas palavras, sem se dar conta, manifestavam uma ideia que vai se difundindo cada vez mais e que poderíamos resumir dizendo, que, “mesmo que o aborto possa ser algo mau, tem que aceitá-lo como uma realidade contra a qual não se pode fazer nada”. Se produz assim uma incoerência importante entre o que se pensa sobre o valor de toda vida humana, e a aceitação do que é uma interrupção provocada dessa vida.

Alguns, que se dizem profetas do futuro, vão mais além e exigem que se reconheça o direito de qualquer pessoa de abortar. O que é difícilmente conciliável com o artígo 3 da Declaração universal de Direitos Humanos: “Todo individuo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”. E científicamente niguém duvida de que desde a concepção se está diante de um individuo humano, não um grupo de células.

Sendo isto tão claro, o que pode falhar para que se esteja adotando uma cultura social tão incoerente?

Pode nos ajudar a entender nosso tempo ao olharmos para a história recente. A escravidão não acabou de ser abolida no direito internacional até há poucos anos, na Convenção sobre a Escravidão, promovida pela Sociedade de Nações e assinada em 25 de setembro de 1926, que entrou em vigor desde 9 de março de 1927. Nos EUA a segregação racial no era legalmente abolida até a Lei de Direito ao Voto (dos negros), assinada pelo presidente Lyndon B. Johnson em 10 de julho de 1965. Poucos anos antes, o Tribunal Supremo havía aceitado como perfeitamente constitucionais várias leis segregacionistas.

Um caso recente é o apoio de Hillary Clinton à Planned Parenthood Federation of America, fundação muito ativa na extensão do aborto, cuja fundadora, Margaret Sanger, é uma figura muito controversa por sua promoção ao controle da população dirigido aos negros e mais pobres.

A explicação de muitas incoerências está na liberdade humana, que sempre é capaz de escolher o mal. Ou como afirmava recentemente Benigno Blanco: “Cada época tem sua barbarie: a discriminação da mulher, a escravidão, o racismo… e a cada época isso parece normal. A normalização social e jurídica do aborto é um sinal da nossa”. Não pensemos que por sermos pessoas do sécuo XXI, estamos isentos de equívocos.

A situação, porém, não é irremediável. O aborto e o infanticidio eram legais até o século III, depois deixaram de ser, e agora voltam a ser novamente. Da mesma forma podem voltar a ser ilegais. A solução passa por fomentar o amor à verdade.

Em nossa sociedade, facilmente se aceita a mentira, quando no meio se envolvem o dinheiro, o poder, ou o prazer. Certamente a verdade é um valor frágil, que pode ser arrasado por outros interesses mais fortes. Mas por sua debilidade devería ser cuidado com mais exigência, porque a verdade é o único valor que pode fazer-nos crescer em liberdade. Somente quando vislumbramos a verdade da realidade podemos escolher com liberdade.

Quando outros interesses mais fortes se interpõem, se não os controlamos, acabam fazendo-nos seus escravos. Passamos a escolher em função do que os outros pensam, ou do que consigamos deles, ou de como controla-los. Definitivamente, nos fazemos escravos dos demais. Cada vez se faz mais patente que só o amor à verdade nos permite crescer em liberdade.

Por ele falemos do aborto com liberdade. Sem ser escravos de partidos, nem de grupos, nem de instituições, nem de modas sociais. Façamos uso da liberdade de requerer a verdade sobre a interrupção voluntaria da gravidez, e aceitemos a realidade do que é, sem ficarmos em uma visão teórica. Somente depois poderemos pensar quais são os medidas que deveríam ser tomadas por nossa sociedade para abordar esse problema que a cada día provoca mais tragédias no nosso mundo.