sábado, 8 de março de 2008

Aborto: debatendo o debate


Imagine a extinção das placas de trânsito, a legalização do tiroteio, a despenalização do roubo. Será muito mais fácil ouvir uma acalorada conversa sobre os rumos da novela das oito do que encontrar quem defenda debater tais temas.

O debate é um componente freqüente de todo bom e frutuoso diálogo, aquele que busca através de trocas de argumentos a construção de um convencimento mútuo até a compreensão cabal de uma questão. E por que não acontece nos casos que imaginamos acima? Porque a premissa de qualquer debate real é a existência de campo por se explorar, de matéria por se desvendar, de pensamento por se refletir. Houve um tempo onde se debateu se a Terra era o centro do Universo, mas uma vez esgotado este campo de reflexão, encerrou-se a questão.

Hoje parece banal, mas houve um tempo em que se debateu a necessidade das placas de trânsito, em que se refletiu se a matança de inocentes era justificável e se o roubo era lícito e moral. A inteligência humana encontrou as respostas para cada uma dessas questões quando apareceu ocasião e boa vontade para pensar. A força dessas verdades chegaram até nós como uma belíssima herança, e não as discutimos mais porque praticamente não existem outras pendências a se tratar, são questões resolvidas, completas e verificáveis, de tal modo que o depósito de convicção nelas não configura ameaça alguma a tolerância mas certificam que as suas razões merecem todo crédito.

Um exemplo bem mais concreto: as recentes, insistentes e cansativas provocações por parte do Ministério da Saúde, do Governo Petista e das lideranças feministas por se "debater o aborto". Mas o que significa precisamente essa expressão e o que ela implica? Implica em afirmar que existem lacunas na questão ainda inverificadas, que o tema não está totalmente encerrado, que portanto pode ser alterado.

O que dizer sobre tal atitude? A primeira é verificar se tais invocações procedem, se seriam suficientes para reabrir o antigo debate já encerrado. Neste caso:
a) Os cientistas Schleiden e Schwan constataram desde 1839 que a vida humana se inicia a partir de uma única célula, chamada zigoto, que já está vivo, tem autonômia para crescer sozinho, tem sexo definido, está completo, tem um DNA da raça humana que é imutável até a morte. Existe uma nova constatação que desautorize esta informação?
b) Se tal constatação não existe (e não existe), se o concepto é mesmo um ser humano, é lícito dispor de sua vida arbitrariamente, ou sem eufemismos, é lícito matá-lo? Estado, pais, sociedade, alguém pode de fato se apropriar da vida alheia?
c) Uma vez revogado os direitos do nascituro bem como sua inviolabilidade, o que impedirá a relativização da dignidade de toda a vida humana, especialmente daqueles considerados "pesos-mortos“ para a sociedade, como os enfermos, os idosos, os moribundos etc?

Pois bem, "debater o aborto“ diante do silêncio de tais perguntas é aceitar que a vida humana é negociável, questionável; seria o mesmo que debater a legalização do homícidio ou do sequestro, coisas impensáveis para qualquer um. Nesta inegável constatação de que o nascituro "é" um de nós, a menor abertura para tal debate implicaria a real possibilidade de fazer parar os batimentos de um coraçãozinho pulsante, de extinguir toda as potencialidades daquele ser que chega. Postura racionalmente inaceitável e coletivamente suicida.

Acusar os defensores dos nascituros de fundamentalistas, de intolerantes, de obscurantistas, porque estes não vêem nas argumentações expostas pelos pró-aborto uma matéria nova capaz de superar a discussão anterior (que já se tornou incontestável pela descoberta científica da vida) é desprezar também a história e a vida de uma legião de pensadores antecessores que investiram tempo e recursos para produzir respostas completas e dignas do ser humano, que destes recebemos prontas. É dizer que aqueles que redigiram nossa Constituição em seus artigos 5º e 6º, o Código Civil em seu artigo 2º, o Código Penal em seus artigos 124, 125, 126, 127 e o pacto San José da Costa Rica do qual o Brasil é signatário, não usaram da razão para proteger toda a vida humana, não pensaram, não refletiram e por isso podem ser dispensados.


Opinião, Cultura da Vida