terça-feira, 26 de agosto de 2008

Aos Ministros do STF: o que é realmente Anencefalia? E o que está envolvido em seu julgamento?

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Referência: Resolução 1752/04 do CFM, que autoriza a retirada de órgãos de "anencéfalos" para transplantes diante da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que postula a autorização para abortamento de anencéfalos.
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Editoria de Biodireito_Medicina
Responsável Celso Galli Coimbra

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O STF está prestes a decidir a "interrupção da gravidez" de fetos "anencéfalos" -- expressão que não corresponde aos fatos neurológicos. Pelas repetidas abordagens do assunto na mídia e por profissionais do Direito, está claro que não existe uma efetiva constatação neurológica do que é erroneamente chamado de feto "anencéfalo".

Desde logo pontuamos o que será examinado:

1. "Anencefalia" não corresponde à morte encefálica.

2. "Morte cerebral" como discorre o CFM em sua Resolução 1752/04 não existe na medicina.

3. Pessoas ou fetos com lesão restrita ao cérebro, erroaneamente consideradas como "anencéfalas" , não podem ser diagnosticadas como mortas.

4. A expressão leiga "anencéfalo" não corresponde à ausência de encéfalo (pelo contrário), que é onde pelas regras vigentes na medicina mundial, inclusive no Brasil, na Resolução CFM 1.480/97, determinada pela legislação transplantadora de 1997, deve obrigatoriamente ser diagnosticada a morte encefálica.

5. Uma decisão judicial que ignore os fatos neurológicos relativos a esse julgamento, estará contrariando ou mudando os critérios mundialmente aceitos para definir existência de vida humana, que nada tem a ver com sua "perspectiva de futuro" ou "viabilidade" em nossa legislação constitucional. A aceitação da premissa incondicional de vida ser o que tem "perspectiva de futuro" ou "viabilidade" trará consigo práticas espúrias dentro e fora da medicina, como demonstramos neste texto.


Entenda-se também que muitos neonatos "encefálicos" são capazes de manter a respiração, mantendo o tronco encefálico funcionante. Alguns possuem mesmo parte do cérebro presente. A maior parte dos "anencéfalos" nasce em parada cardio-respirató ria (natimortos, portanto). Esses dados demonstram que o termo "anencefalia" é tecnicamente incorreto, pois pressupõe ausência total do encéfalo. Alguns autores têm proposto os termos meroanencefalia e holoanencefalia para a diferenciação dos casos em que há ausência parcial e total do encéfalo, respectivamente. Por outro lado que aumenta a gravidade da desinformação, casos menos severos de meroanencefalia podem sobreviver vários anos. E a decisão que pode vir a ser proferida pelo STF não estará distinguindo essas diferentes situações.

Ao contrário do que foi emitido nos considerandos da recente Resolução 1.752/04 do CFM, que autoriza a retirada de órgãos de "anencéfalos" para transplantes, a afirmação preliminar do CFM de que “os anencéfalos são natimortos cerebrais” não pode ser aceita como verdade.


Pressupõe esses considerandos da Resolução 1752/04 do CFM que o conceito de morte cortical, ou seja de pessoas nas quais as “higher brain functions” se encontram na aparência irreversivelmente inativas, apesar de que as funções neurovegetativas mediadas pelo tronco encefálico e pelo diencéfalo se encontrem ainda ativas - tal como ocorre com o chamado “estado vegetativo persistente” em que o indivíduo continua respirando e deglutindo por meses ou anos e, eventualmente, em até 20% dos casos, podem recuperar a consciência, devem ser consideradas como mortas. Essa idéia, contida na Resolução 1752/04 do CFM sobre extração de órgãos de "Anencéfalos" , não tem sido aceita em qualquer país em nenhum dos três níveis de discussão enumerados acima: filosófico, conceitual ou diagnóstico.

Em outras palavras, não existe morte “cerebral”, apesar de que a cultura leiga utilize largamente este termo com falta de propriedade, mas existe sim apenas morte encefálica, pois em todas as culturas a sustentação da capacidade de respirar é considerada virtualmente excludente do diagnóstico de morte encefálica. A utilização desse termo na Resolução 1752/04 do CFM, mesclando a terminologia leiga inapropriada, que confunde esse termo com o que na realidade é de fato a morte encefálica, não a morte cerebral, com a terminologia técnica inexistente (pessoas com lesão restrita ao cérebro não podem ser diagnosticadas como mortas), representa portanto um artifício que deve ser acusado de imediato, preliminarmente e nunca aceito como PREMISSA VERDADEIRA, sob pena de que toda a discussão subseqüente traga fatalmente o sucesso daqueles que querem utilizar o "anencéfalo" como simples fonte de órgãos e tecidos transplantáveis ou tratá-los como cadáveres desde logo, o que é necessário para atingir o primeiro objetivo.


Está evidente que a decisão de permitir a "interrupção da gravidez" de "anencéfalo", tem como verdadeira intenção poder dispor de seus órgãos depois de nascido, diante da recente Resolução 1.752/04 do CFM que já existe para essa finalidade. Uma vez decidida a permissão judicial da "interrupção da gravidez" do "anencéfalo", tudo que os gestores da medicina brasileira farão será orientar "técnicas de abordagens" às gestantes desses fetos, para que eles nasçam e seus órgãos sejam retirados. Há Estados que possuem projetos de leis (ou leis em vigor) que conferem vantagens econômicas às famílias de doadores de órgãos. No caso dessas gestantes, é muito fácil fazer-lhes uma proposta vantajosa.

O segundo considerando da Resolução 1.752/04 do CFM sobre os "anencéfalos" , afirma que para os "anencéfalos" , por sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica", encerra uma afirmação inverídica: há “anencéfalos” (na realidade portadores de meroanencefalia leve) que sobrevivem vários anos. Fato que não pode ser ignorado pelos julgadores. Estes também serão vítimas dos gestores da medicina brasileira, diante da Resolução já existente.


Além do mais, a utilização, neste segundo considerando da Resolução do termo tecnicamente correto (“morte encefálica”) em oposição ao conceito tecnicamente incorreto (“morte cerebral”) utilizado no primeiro considerando, é claramente demonstrativo da ardilosidade que caracteriza essa nova Resolução do CFM: verifique-se que a expressão “por sua inviabilidade vital” é uma referência evidente ao conceito de “morte cerebral” exarado no primeiro considerando.


Na realidade, a Lei Federal de Transplantes de 97 não dá ao CFM a autoridade para mudar o conceito de morte (nível conceitual de discussão), alterando-o de morte encefálica para morte cerebral, como ele o fez na sua recente Resolução 1752/04, que permitiu a extração de órgãos de "anencéfalos" , mas apenas para estabelecer como será reconhecido o indivíduo portador da condição pré-definida pelo conceito de morte encefálica.

A permissão judicial para a "interrupção da gravidez" trará um forte corolário de graves situações que irão muito além do que pretende-se julgar no STF, que por si só já é de enorme gravidade.

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http://www.anenceph aly.net/anenceph aly.html